terça-feira, 9 de março de 2010

A REVELAÇÃO DA CRIANÇA - Parte 1


(Texto resumido do livro Crianças no labirinto das acusações - Falsas Alegações de Abuso Sexual da Doutoranda em psicologia Marcia Ferreira Amendola – Ed. Jurua -
Pags. 84/89)

Parte 1: A Síndrome do Segredo e a Síndrome da Acomodação

Roland C. Summit (1983) e Tilmann Furniss (2002), ao trabalharem com casos de crianças vítimas de abuso sexual, descreveram uma síndrome relacionada ao segredo, a partir de suas observações e pesquisas na área: a Síndrome de Acomodação ou Adaptação e a síndrome do Segredo, respectivamente.

Summit (1983) argumentou que as crianças não sã capazes de fabricar histórias de abuso sexual e que, portanto, devem receber todo o crédito quando revelam o abuso, mesmo quando as declarações se mostrarem bizarras e incoerentes. O autor postulou que a subordinação e o desamparo da criança diante a autoridade do adulto que a obriga a ser obediente, forçam uma acomodação à situação de abuso, capaz de acarretar inversão de valores morais e alterações psíquicas lesivas à sua personalidade. A criança não teria outra escolha exceto submeter-se ao abuso e manter o segredo.

Algumas associações (American Psychological Association e American Psychiatric Association), no entanto, se pronunciaram com a intenção de impugná-la nos tribunais como evidência probatória para este tipo de violência. O argumento se referia à falta de fundamentação técnico-científica do modelo de Summit em função da ausência de estudos empíricos que distinguissem crianças abusadas daquelas não abusadas (CAMPBELL, 1997).

Em resposta às críticas, Summit (1992) admitiu que a Síndrome possui graves limitações, sendo apenas uma opinião clínica, sem pretensões de ser um instrumento científico destinado a tal aferição, de modo que sua aplicação como evidência de abuso sexual não cumpre com os critérios de confiabilidade técnica requeridos para validar o diagnóstico.

Para Campbell (1997), as características apontadas por Summit são generalizadas, dando margem para opiniões subjetivas, pois podem ser observadas, indistintamente, em crianças não abusadas. A autora cita como exemplo o fato de que crianças não abusadas, ao negar a ocorrência do abuso, tendem a ser, equivocadamente, interpretadas como sendo resistentes e temerosas.

Com relação à Síndrome do Segredo , esta é definida por Furniss (2002) como sendo determinada por agentes múltiplos (externos – ameaças do agressor – e internos) que interagem e promovem uma ração que leva a criança a silenciar-se, ocultando sua história de abuso. Para Furniss, a negação do abuso sexual pela criança não implica, necessariamente, que a violência não foi praticada. O sentimento de culpa e a responsabilização pela prática abusiva são os principais fatores de existência da Síndrome do Segredo.

Furniss (2002, p.177) orienta os profissionais a iniciar a Entrevista de Revelação com a “permissão terapêutica explícita para revelar”. Isso significa que o propósito do psicólogo durante a entrevista é, necessariamente, fazer com que a criança relate o abuso supostamente sofrido. Segundo o autor, “[...] a criança precisa saber que nós conhecemos as razões pela quais ela pode ser capaz de revelar [...].em termos práticos precisamos enviar de maneiras variadas e repetidas a mensagem: ‘Eu sei que você sabe que eu sei’.”.

Ao final de todas as considerações, se a criança ainda não estiver motivada a revelar, Furniss (2002) entende que ela possa estar assustada demais, provavelmente por ameaças do abusador, ou possa estar resistente, seja por falta de confiança no entrevistador, seja por culpa ou vergonha.
Apesar de declarar que não se pode pressionar a criança para revelar o abuso sexual, estando atento para o fato de este não haver ocorrido, o autor insiste na premissa de que o profissional não deve aceitar a negativa da criança, considerando que esta negação seja conseqüência de ansiedades e medos.

Seguindo essa lógica, (2002) sustenta que, mesmo quando a ausência de revelação da violência persiste – seja pelo silêncio imposto pela criança, seja pelo fato de ela negar a ocorrência do abuso – o profissional deve se antecipar e presumir a alegação de abuso sexual como verdadeira expectativa que se mantém justificada pela resistência, medo ou vergonha da criança em revelar o drama familiar. Assim, diante desse impasse, Furniss (2002) sustenta que o profissional deve dar mais tempo e espaço para que a criança possa aprender o que chamou de “metáfora” (p.180) – ahistória de abuso contada como se fosse outra pessoa.

Na análise do autor, o ato de insistir para que a criança revele o abuso sexual se justificaria, pois estaria baseado na crença de que as crianças que negam a ocorrência do abuso sexual podem estar mentindo. Contudo, o autor admite que a criança possa mentir ao acusar falsamente um membro da família de abuso sexual, como afirmamos anteriormente.

Essa orientação de Furniss (2002), na qual revela certa tendenciosidade no trato de questões relativa à prática profissional em casos de suspeita de abuso sexual, é criticada por profissionais e estudiosos da área, pois a diferença entre suspeita infundada e resistência da criança não é considerada, ou melhor, é pouco explorada pelo autor, vigorando a idéia de que toda alegação de abuso sexual contra a criança é verdadeira, mesmo quando é pouco consubstanciada e/ou negada.

Nesse sentido, entendemos que a entrevista de revelação deveria ser, por princípio, um mecanismo que subsidiasse o profissional na criação de um espaço de escuta mais apurada da criança, em que esta pudesse ser ouvida como criança e não como “vítima” obrigada a revelar a ocorrência ou não do abuso sexual.

Entretanto, porque a técnica de revelação, proposta por Furniss (2002), tem por base a Síndrome do Segredo, a postura profissional recomendada pelo autor no atendimento a crianças consideradas vítimas de violência sexual é a do especialista que possui o saber e o poder suficientes para fazer a criança revelar o abuso que se presume verdadeiro.

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