JUSBRAIL: Artigo sobre FALSAS ACUSAÇÕES DE ABUSO SEXUALPor Edna Souza
Uma das formas mais sórdidas de alienação parental – e que caracteriza o nível grave da Síndrome de Alienação Parental - vai além das habituais estratégias para bloquear o contato da criança com o genitor, como não dar recados deixados por telefone ou “esquecer” de avisar sobre a festa no colégio. As falsas acusações de abuso sexual têm sido identificadas cada vez mais nas delegacias de polícia. Consiste em sabotar a aplicabilidade da Guarda Compartilhada através das acusações falsas de abuso sexual, induzindo-os a formularem relatos incoerentes, mas que pela repetitividade, são fixados como falsas memórias[3]. E, para isso, o (a) alienador perde a noção do bem-senso, faz “peregrinação” com a criança por profissionais até encontrar quem emita laudos que “atestam” a ocorrência do abuso.
Tal é o entendimento da Psiquiatria Clínica da USP:
“A veracidade ou a falsidade do abuso sexual deverá ser investigada. Interpretações ou memórias equivocadas por parte da criança e submissão ao adulto que levem o menor a mentir deliberadamente sobre o suposto abuso sexual e a formular falsas denúncias não são raras (Lipian et al., 2004), cabendo aos profissionais envolvidos manter o distanciamento necessário à apuração dos fatos – daí a necessidade de um trabalho multidisciplinar” (Pillai, 2005; Calçada et al., 2002).
Uma acusação de abuso sexual, agressão física ou atentado ao pudor é um fato gravíssimo, e reflete as relações despóticas de força e poder, as dificuldades afetivas e a descaracterização do outro como ser humano (e sim como um mero objeto de sua satisfação pessoal). O problema é que deve ser grave demais para ser leviana, mas a leviandade costuma prevalecer nessas situações, justamente porque refletem a cultura da gratuidade e da impunidade. Pressupõe-se que o relato de uma criança acerca de um evento dessa natureza seja sempre verdadeiro, o que reflete o total despreparo dos profissionais para avaliar a credibilidade do testemunho da criança e os interesses pardos dos responsáveis por ela – além do mais, este é um dos maiores equívocos que o profissional de Psicologia chamado a juízo para manifestar-se pode cometer.
Conforme mencionado até o momento, o genitor alienador utiliza-se de diversos recursos, estratégias legais (nem sempre legítimas...) de excluir o alienado da vida dos filhos. Possivelmente a mais grave, a mais devastadora e a mais ilícita de todas seja a indução dos filhos a formular falsas acusações de abuso sexual contra o pai alienado. Isso porque, além de ser um ato lesivo à moral, e que depreciará para sempre a reputação daquele que recebe a acusação, em determinados momentos da vida dos filhos essa manobra encontra guarida em alguma fase do desenvolvimento psicosexual infantil, bem como na importante questão da fantasia e do desejo.
Conforme descrito anteriormente, a AP (Alienação Parental) se torna um sério entrave às vinculações parentais, justamente porque condicionam a criança/adolescente a formar ações, sentimentos e comportamentos contra o (a) outro (a) genitor (a) diferentes do que havia há um tempo atrás – tudo por influência de quem tenha interesse direto na destruição do vínculo parental. Para isso, não há escrúpulos ou critérios éticos e morais para induzir a criança a relatar episódios de agressão física/sexual que não ocorreram, confundindo-a na noção de realidade/fantasia, forçando-a a encenar sentimentos e simular reações. Se soubessem o mal que causam a seu (s) filho (s) fazendo isto, nunca pensariam em utilizar recursos sórdidos para destruir o vínculo parental. O verdadeiro agressor, nestes casos, não é aquele a quem é atribuída a “autoria” do suposto ato, mas sim aquele que influencia a criança a desvirtuar a noção de realidade e o senso de ridículo.
Pais/mães seriamente comprometidos com a AP não possuem condições de lidar com as situações da separação de forma amadurecida, permanecem infantilizados, discutindo elementos de menor importância e utilizando o (s) filho (s) como “moeda de troca” ou como meros transmissores de mensagens. Se não há diálogo, reduzem-se as possibilidades de se pensar na Guarda Compartilhada, porque nenhum dos pais aceita conversar, discutir (sem brigar!) os aspectos realmente importantes, acompanhar o desenvolvimento dos filhos...
Nestes casos, é preciso que haja um intenso trabalho psicológico para sustar os efeitos nocivos da SAP nas famílias, e especialmente nas crianças - inclusive a interrupção temporária dos contatos da criança com o (a) genitor (a) alienante, pois de um lado o (a) genitor (a) alienante precisa se conscientizar das carências e dificuldades emocionais que o (a) levam a tomar tal postura, e de outro lado a criança precisa observar que as mensagens que lhe foram incutidas pelo (a) genitor (a) alienante não correspondem à realidade dos fatos, os relatos de abuso/agressão não constituem elementos verídicos, e que as distorções da imagem do (a) genitor (a) alienado (a) são produto de manipulação emocional alheia, não autêntico para a criança.
VI – Postura do psicólogo na avaliação da Alienação Parental:
1. “Separando o joio do trigo”: alguns indícios de que uma acusação de abuso sexual possa ser falsa:
“A diferença entre as falsas memórias e as verdadeiras é a mesma das joias: são sempre as falsas que parecem ser as mais reais, as mais brilhantes.” (Salvador Dali, comentando sua obra ‘A persistência da memória’, de 1931, em seu livro Secret Life (citado por Cockburn, 1998)).
Um subsídio que vem sendo utilizado com uma perigosa frequência é o (a) genitor (a) alienador (a), ou quem tenha interesse na destruição dos vínculos parentais da criança com o (a) outro (a) genitor (a), induzir a criança, de pouca idade, pela dependência afetiva, ou aterrorizados com as ameaças de violência e/ou abandono do (a) genitor (a) alienador (a), a formular uma acusação de molestação sexual contra o (a) outro (a) genitor (a). Para isso, não medem esforços para oprimir psicologicamente a criança, fazendo-a acreditar no relato, e levando-a a diversos exames médico-legais e entrevistas com profissionais despreparados que “tentam achar um culpado a qualquer custo”, nem que seja com gravíssimas violações à Ética profissional (coloco com E maiúsculo), utilizam a criança como “testemunha de acusação” e não como uma vítima, preocupam-se com o conteúdo do relato e não com medidas protetivas e acolhedoras que suportem os sentimentos da criança com o constrangimento do “interrogatório”.
Não há “fórmulas mágicas” ou critérios definidos, mas podem-se observar alguns fatores que indicam se a acusação de abuso é verdadeira ou não:
- uma situação de litígio judicial entre os pais, especialmente iniciada antes da acusação de abuso, com complicações e graves divergências referentes à regulamentação de visitas, pensão alimentícia, sendo que o (a) genitor (a) acusador (a) e/ou seus familiares utilizaram vários recursos para afastar o (a) outro (a) genitor (a) da vida da criança, e então “repentinamente” a acusação de abuso vem como “último recurso” de quem tenha interesse em dar a “cartada final” para afastar definitivamente o acusado do convívio com a criança;
- elementos passíveis de discriminação e preconceito: homossexualidade do (a) genitor (a) acusado (a), raça, religião etc.; fatores sócio-econômicos e/ou educacionais como: desemprego, baixa escolaridade, fracassos profissionais do (a) genitor (a) acusado (a);
- na acusação real, a vítima quer esquecer o ocorrido e as falhas de memória se referem ao choque emocional e trauma; na acusação falsa, a “vítima” acredita que, quanto mais denunciar, estará contribuindo para a “punição” do suposto “agressor”, pois tem interesses e vantagens em afastá-lo do convívio e destruir os vínculos, e as falhas de memória se referem às mentiras, fantasias, contradições e ênfases exageradas e desnecessárias em aspectos do relato, para obter o endosso de profissionais para “legitimar” o afastamento;
- a criança verdadeiramente abusada sabe o que ocorreu, não precisa de nenhum estímulo para “lembrar” o que “ocorreu”, e se houver outras crianças envolvidas (ex.: irmãos), os relatos apresentam credibilidade, coletiva ou individualmente; ao contrário, a criança falsamente abusada apresenta relatos inconsistentes e, no caso de serem várias crianças envolvidas, frequentemente os relatos são contraditórios entre si (MOTTA, 2007);
- quando há abuso real, os pais das crianças vítimas não desejam acreditar que seus filhos foram feridos, preferem estar enganados em suas suspeitas e percepções, mesmo quando possuem dados concretos, e ficam aliviados quando há comprovação de que seus filhos não foram atingidos; no abuso falso, em que há acometimento da SAP, tanto os pais quanto as próprias crianças ficam obcecados pela busca de oportunidade de falar do abuso com terceiros (ex.: profissionais, polícia etc.), têm “certeza” do “ocorrido”, e os pais ficam decepcionados quando constatam que as crianças não foram atingidas, indo inclusive buscar tantos outros profissionais quanto necessários para que “atestem” suas alegações. No tocante à credibilidade do relato de abuso sexual, cabe uma diferenciação entre o relato autêntico e aquele em que o relato de abuso sexual serve como pretexto para a exclusão do genitor acusado (e consequente implantação da Síndrome de Alienação Parental – SAP):
a) ambivalência de sentimentos: no abuso sexual real, a ambivalência ocorre porque a criança (vítima) ama o pai agressor mas passa a odiá-lo pelo seu ato (a manipulação emocional e física decorrente do incesto), sente-se fragilizada e o contexto de acusação contra um pai a quem ama (e de quem supunha ser amada) traz-lhe sentimentos contraditórios: a criança ama o pai, mas o odeia pela relação do incesto, e o pai acusado é amado e respeitado pela família (especialmente pela mãe) e por toda a sociedade, mas não suporta a ideia de ter sido explorada sexualmente por ele; nas falsas acusações de abuso sexual, a criança ama o pai acusado, mas passa a odiá-lo por influências externas (da mãe e/ou de quem tenha interesse na destruição do vínculo), chegando a negar ou “esquecer” dos bons momentos de convívio com o pai acusado, e se nada for feito, isto é, se contar com a omissão das autoridades competentes, o despreparo dos profissionais chamados a intervir, e das manipulações e chantagens emocionais do (a) genitor (a) alienador (a) e a teatralização da criança, com o tempo a ambivalência desaparece, restando apenas o ódio ao pai acusado;
b) contradições, lacunas, esquecimentos no relato: no abuso sexual real, as contradições no relato existem porque a vítima se sente cansada de ser obrigada a repetir os mesmos fatos a pessoas diferentes, quer esquecer o ocorrido; no caso das falsas acusações de abuso, as contradições existem porque o relato é induzido por um adulto que tenha interesse na destruição do vínculo do pai acusado com a criança, a ambivalência é imposta (a criança ama o pai, mas passa a odiá-lo por influência da mãe), as bases do relato são fictícias (inclusive, a criança induz seu interlocutor a uma “convicção inquestionável” dos fatos, as emoções são simuladas, o relato é teatralizado);
c) memória: no abuso sexual real, a vítima gostaria de esquecer o ocorrido, mas é obrigada a lembrar todas as vezes que se encontra em contexto de acusação (para a psicóloga, a assistente social, o promotor, a família, o juiz, o delegado de polícia etc.); nas falsas acusações de abuso sexual, as “memórias” são induzidas por um terceiro, e a criança se convence também de que deve repetir fielmente todos os pormenores do relato a quem queira escutar, e por isso não há falhas, lacunas, a criança está plenamente “convicta” de suas afirmações, não há questionamentos, acreditando (conforme nos ensina PADILLA, 1999) que com isso estará punindo seu “agressor” e protegendo sua família das “vinganças” e “maldades” dele, enviando-o diretamente para a prisão – ou lança repetidamente olhares para o (a) denunciante, buscando “estímulo” externo para “lembrá-lo” do que “ocorreu”;
d) interesses: no abuso sexual real, o interesse é da criança vítima, de que brar definitivamente o círculo vicioso e patológico do contexto familiar; nas falsas acusações de abuso sexual, o interesse é de terceiros (da mãe e/ou de familiares), que passa a ser incorporado pela própria criança (fenômeno descrito por PODEVYN, a partir de GARDNER, como o “pensador independente”, em que a criança afirma que suas idéias são próprias e não induzidas por ninguém), cujo objetivo é a destruição dos vínculos com a exclusão do convívio com o pai acusado, havendo inclusive a negação ou supressão dos aspectos afetivos positivos daquele convívio antes da acusação.
e) credibilidade de mais de uma vítima: nas acusações verdadeiras, em ha-vendo mais de uma criança envolvida, os relatos são consistentes entre si; nas acusações falsas, os “cenários” são frequentemente carentes de credibilidade e, se separadas, as crianças acabam contradizendo-se umas às outras (MOTTA, 2007, p.53).
2. Bom senso, prudência, sabedoria e informação.
Eminentes profissionais, de boa-fé, ou que buscam encontrar evidências de abuso e um “culpado” para o suposto abuso, podem tender a sugerir pela exclusão do genitor (a quem se atribui a “culpa”), destruindo os vínculos da criança, comprometendo seu desenvolvimento e prejudicando os seus reais interesses (não apenas do ponto de vista jurídico como principalmente psíquico), Colocam em risco suas carreiras e sua reputação, a serviço de quem tenha interesse em utilizar recursos ilícitos e imorais para destruir vínculos parentais.
Existem ainda alienadores que, movidos pela inveja pelo progresso material e afetivo alcançado pelos ex-cônjuges após a separação, induzem a falsas acusações de abuso sexual contra os filhos, com o intuito de desmoralizá-lo socialmente. Porém muitos profissionais de Psicologia não cogitam em questionar o contexto em que surgem tais alegações, isto é, por que uma pessoa no auge de sua carreira e de reconstrução afetiva poderia “sodomizar” seus filhos, se não são um mero argumento utilizado para excluí-lo da vida dos filhos.
As entrevistas com a criança, em caso de suspeita da ocorrência de abuso sexual, devem ser conduzidas em particular, sendo que as perguntas devem ser formuladas com muito cuidado, para que não sejam indutoras de respostas, que poderiam contaminar as informações que a criança quer dar, deturpando o sentido de suas verbalizações. A criança deve contar “o quê” e “como” aconteceu, mas não “falar aquilo que o outro quer ouvir” e sim a verdade.
Ocorre que profissionais podem acabar limitando-se exclusivamente nas informações prestadas pela mãe, e então “forçam” a adequação de todos os sintomas e manifestações do menor ao relato de abuso sexual fornecido pelo (a) alienador (a) genitora; como consequência, ocorre a formulação de critérios pessoais, subjetivos, pretendendo enquadrar todas as situações como sendo “ocorrências de abuso sexual”, como se fosse um autêntico leito de Procusto[4], como se somente fosse possível uma única interpretação!
Porém, em situações em que ocorrem acusações de abuso sexual, ainda que sem comprovação, os sintomas de uma criança supostamente abusada se assemelham aos de uma criança verdadeiramente abusada, o que torna difícil a identificação pelos profissionais, principalmente aqueles desconhecedores da existência das falsas acusações de abuso sexual.
Ambíto Jurídico (Fonte)